quarta-feira, 5 de maio de 2010

O que Alice achou do País das Maravilhas?



Desde que foi anunciado, Alice no País das Maravilhas gerou muita expectativa, mas também muito receio. E não é pra menos. É Tim Burton, conhecido pelo visual gótico-psicodélico, trabalhando com um universo clássico que parece feito sobre medida para ele, mas bancado pela poderosa e conservadora Disney. E tudo isso em 3D!

E será que essa mistureba deu certo? Financeiramente, já sabemos que sim, afinal o filme já faturou incontáveis doletas lá fora. Mas e a qualidade? Aí o buraco (do coelho) é mais embaixo...

Ao invés de fazer sua própria versão do clássico mostrando a pequena Alice descobrindo o País das Maravilhas, Burton resolveu fazer um tipo de continuação temática, mas modificando a história a seu gosto e também misturando com a trama de Alice Através do Espelho, o outro livro de Lewis Carroll protagonizado pela galeguinha inglesa.

Com isso, Burton nos mostra uma Alice que acaba de entrar na idade adulta (a desconhecida Mia Wasikowska) e que considera sua viagem ao País das Maravilhas apenas como um sonho/pesadelo recorrente desde a infância. Até que, justamente num momento decisivo de sua vida, ela encontra novamente o Coelho Branco (ou é encontrada por ele) e retorna a um lugar muito diferente daquele visto em seus sonhos.

A partir desse pontapé inicial, a obra passa a brincar com diversas dicotomias entre Alice e o mundo que a envolve: razão/loucura, escolha/destino, realidade/sonho. Mas, acidentalmente, o filme cai em outra dicotomia e se mostra dividido entre um filme de Tim Burton, com pitadas de humor e loucura tanto nos diálogos quanto no visual, e uma típica aventura da Disney, com a jornada clássica do herói e um final inevitavelmente feliz.

Essa crise de identidade é o principal (senão o único) grande defeito do filme. Afinal, tanto Burton quanto a Disney fazem bons filmes, cada um com suas características, mas a mistura de estilos, ao invés de criar um estilo novo, cria uma obra que parece não saber direito o que deseja ser e como quer ser vista.

Isso fica evidente em vários aspectos, como no uso da tecnologia 3D. Poucos cineastas possuem um visual tão adequado a esse tipo de tecnologia quanto Tim Burton com suas psicodelias. Em Alice, a simulação tridimensional serve para dar profundidade de campo e volume aos ambientes fantásticos imaginados por Burton. Por outro lado, o filme enche o saco pelo excesso de momentos "presta atenção que agora vamos jogar coisas na sua cara!", repetindo o uso mais banal possível do 3D.

Entretanto, não se pode dizer que Tim Burton é um diretor preguiçoso. Mesmo com o uso exagerado da pirotecnia tridimensional, todos os ambientes são muito complexos e em quase todas as cenas acontece muita coisa ao mesmo tempo (muita mesmo, de ter que ver várias vezes no DVD pra sacar tudo), seja em termos de ação ou de diálogo (ambos bem acelerados), tornando tudo ainda mais fantástico e divertido.

O filme traz ainda uma evolução na mistura entre atores reais e animação, apresentando não somente esses dois extremos, mas também uma série sortida de representações intermediárias. Podemos ver atores caracterizados normalmente, outros com maquiagem e próteses, alguns deformados digitalmente, outros cujas feições dão expressões a bonecões animados e finalmente os já tradicionais personagens de computação gráfica dublados por atores, todos interagindo e contracenando num mundo maluco que permite essa coexistência.

Essa técnica permite, por exemplo, deixar o esquisito Crispin Glover (o altão magrelo sinistro de As Panteras) ainda mais sinistro que o normal. Todo o elenco, aliás, apresenta bons momentos no filme, alterados fisicamente ou não. Helena Bonham Carter está ótima como a Rainha Vermelha, como esperado, mas Anne Hathaway surpreende e também está muito engraçada como a Rainha Branca (não a dos Xis-Méin, porra!).

O Gato de Cheshire (voz de Stephen Fry) ficou sensacional e tem realmente a "psicologia" de um gato, enquanto o fodão Alan Rickman emprestou toda a sua escrotidão inglesa para a voz da Lagarta. E até Mia Wasikowska (ô nomezinho difícil!) manda bem nas diversas facetas da Alice. Se a protagonista tem alguns momentos apáticos ao longo das quase duas horas de filme, parece ser mais falha da própria trama que da atriz.

Já o ator-assinatura de Burton, Johnny Depp, encarna um Chapeleiro Louco que é o espelho do filme em si. O personagem é fodão, como já era esperado, mas sofre da mesma inconsistência do resto da obra. Ele tem momentos geniais ao longo do trama, mas dá uma certa decepção quando muda de maluco beleza pra líder revolucionário. O ápice disso é quando o Chapeleiro de repente puxa uma espadona pra lutar como um guerreiro. Aliás, a batalha e o final disneyano deixam o filme com um jeitão de Crônicas de Nárnia e podem estragar a diversão de muita gente que espera ver um Burton "puro-sangue".

Alice no País das Maravilhas certamente não é o melhor filme de Tim Burton, mas está longe de ser ruim como outra adaptação sua, a refilmagem de Planeta dos Macacos. Ainda assim, vale a pena ser conferido no cinema pelos momentos de humor e esquisitices típicos do diretor. E, principalmente, pela combinação da tecnologia 3D com o visual fantástico e audacioso de Burton, diferente de tudo o que se costuma ver no cinema hoje em dia.

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