quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A Maior Jogada de Marketing dos Quadrinhos de Todos os Tempos

A morte do Super-Homem foi uma jogada de marketing como poucas na história das histórias em quadrinhos.
Em 1992, o Super-Homem passava por um dos períodos mais negros de sua longa história editorial. As vendas dos títulos do azulão como um todo despencaram de uma maneira tão alarmante nos Estados Unidos que, não fosse ele um respeitável senhor de 54 anos de idade e um dos maiores ícones das histórias em quadrinhos, provávelmente seus títulos caminhariam para o cadafalso.

Para evitar que tal medida drástica - e que, convenhamos, traria mais danos do que benefícios, visto o montante de dinheiro que a marca Super-Homem movimenta anualmente em merchandising - fosse tomada, o editor do Super na época, Mike Carlin, reuniu a equipe responsável pelos títulos da personagem, composta por Louise Simonson, Roger Stern, Dan Jurgens, Jerry Ordway, Jon Bogdanove, Tom Grummett, Jackson Guice, Dennis Janke, Rick Burchett, Doug Hazlewood, Denis Rodier e Brett Breeding para planejar uma linha de ação que colocasse o herói novamente no centro das atenções da mídia especializada e, com isso, fizesse com que as vendas de seus gibis se reaquecessem.

Dessa reunião, ficou decidido que o melhor a se fazer seria criar uma grande saga onde o Super-Homem enfrentaria um novo vilão. Esse inimigo seria uma espécie de "Hulk", que se envolveria em um tremendo embate com a Liga da Justiça e o Super-Homem. Ao fim da história, o Super-Homem conseguiria deter o vilão, pagando a vitória com a própria vida. (Claro que não tenho a mínima idéia de como se deu essa reunião, estou só brincando com a hipótese).

A solução da DC para dar uma sacudida no marasmo que dominava as histórias do Super-Homem até então deu certo. A simples menção de que a editora planejava matar seu maior ícone fez com que não só as atenções da mídia especializada, mas também de outros setores da mesma, voltassem-se para a personagem.

Até o Fantástico fez uma matéria sobre o evento. Além disso, a morte do Super-Homem gerou um belo lucro, já que, da história - e suas consequências -, surgiram novas personagens e títulos. Até um game para Mega e SuperNes, intitulado Death and return of Superman chegou ao mercado. A edição que mostrava o desfecho da grande batalha entre o Super e seu assassino vendeu pra caramba na terra do Tio Sam.

No Brasil, a coisa não foi muito diferente. A editora Abril preparou uma campanha especial para o lançamento da edição, que trazia 160 páginas contendo toda a saga. No pacote, vinha ainda um pôster do enterro do Super, no qual os maiores heróis da editora carregavam seu caixão, uma cópia da Superman 75 e um jornal fictício analisando as repercussões do evento. Eu me lembro de amigos que nunca tinham comprado um gibi fazerem fila pra adquirir o pacote, só porque trazia a morte do Super-Homem. Eu mesmo, que havia anos não acompanhava o azulão, garanti o meu exemplar.

Uma matéria do extinto programa Top TV, da Record, sobre o assunto na época.



A morte do Super-Homem foi um exemplo do que uma boa campanha de marketing pode fazer para ressuscitar as vendas de uma personagem. Mas, e a história em si? Seria a Morte do Super-Homem também um exemplo do que poderíamos chamar de um clássico dos quadrinhos, algo no mesmo patamar de um Cavaleiro das Trevas ou A Piada Mortal? Posso garantir que não. A história, como veremos na resenha a seguir tem a maior cara de coisa feita às pressas.

Sinopse: Durante sua participação no talk-show de sua amiga Cat Grant, o Super-Homem é informado que um monstro desconhecido está causando problemas no meio-oeste norte-americano. A intervenção da Liga da Justiça da América - da qual é presidente - está se mostrando incapaz de contar o avanço e o rastro de destruição insano da criatura, batizada pelo Gladiador Dourado como Apocalypse.

Um a um, os membros da Liga caem contra a criatura, obstinada em dirigir-se para Metrópolis. E o que era apenas um chamado ocasional para deter uma ameaça se mostra bem mais sério e preocupante, quando o Super-Homem se envolve na maior batalha de sua vida.

E o mundo viverá um de seus dias mais negros, quando perderá seu maior campeão.
Positivo/Negativo: Em 1992, as vendas do Super-Homem estavam baixas. Não apenas isso, o herói perdia popularidade a cada dia para personagens com atitudes mais agressivas e era taxado como ultrapassado por muitos leitores.

A DC tentava reerguê-lo e mantê-lo no padrão de qualidade e popularidade que experimentara após a reformulação de John Byrne, que inegavelmente - a despeito de se gostar ou não das mudanças feitas - injetaram uma boa dose de revitalização no personagem na segunda metade dos anos 80.
A editora fez Lois e Clark namorarem, quebrou o "segredo" da identidade ao permitir que ela descobrisse que ele e o Super-Homem eram a mesma pessoa, noivou o casal, matou Luthor e trouxe seu jovem "filho" para assumir seu lugar e também a Supermoça introduzida por Byrne em seu último arco antes de deixar as aventuras do Homem de Aço, entre outras reviravoltas.

Mas o fato é que, com apenas algumas aventuras realmente boas, o herói infelizmente se enfiava em pastelões como ilhas perdidas repletas de dinossauros, trogloditas e cientistas nazistas com pedras mágicas nos últimos anos. Tramas de difícil digestão para os fãs de longa data e mais ainda para os ocasionais, que preferiam ler os mutantes da Marvel ou conferir os novos personagens da Image.
Então, a cartada derradeira para atrair novamente a atenção dos leitores e mostrar não apenas a relevância do personagem para a mídia quadrinhos, quanto seu poder junto ao público foi dada com o anúncio de que a DC iria simplesmente, matá-lo na edição Superman # 75, a mesma que estava antes programada para apresentar outro evento importante: o casamento de Clark e Lois.

Enquanto a história era tecida e os parâmetros de toda a saga eram estabelecidos, a mídia do mundo todo espalhou a notícia e a editora imprimiu em suas revistas o hoje histórico anúncio: Doomsday is coming for Superman! (O Apocalyse está vindo para o Super-Homem!). Como seria revelado depois, este era o nome do monstro que mataria o personagem.

A história é desenvolvida em sete capítulos, e apenas no último a anunciada morte acontece. Os anteriores servem para apresentar a tentativa da Liga de impedir o monstro e depois a perseguição alucinante que o Super-Homem empreende à criatura enquanto os dois vão deixando um rastro de destruição por onde passam.

A intenção clara é gerar um efeito de tensão crescente e mostrar o poder do Apocalypse, que derrota toda a Liga facilmente.

Os autores acertaram ao mostrar que, inicialmente, a ameaça é tida como algo rotineiro pelos heróis, "mais um monstro à solta" e apenas depois de um nível de destruição acima do "normal" para uma HQ, a coisa é revelada como realmente séria. Foi o modo de explicar o não-envolvimento de outros seres com níveis de poder próximos ao de Kal-El na caçada a Apocalypse.

Aqui, aparecem os dois primeiros senões. Primeiro, a Liga resume-se a heróis do segundo escalão, oriundos da fase de Keith Giffen na direção da revista depois de serem recauchutados por Dan Jurgens, que minimizou o elemento cômico e trouxe o Super-Homem para liderar a equipe.

Besouro Azul, Máxima, Gelo, Bloodwynd, Fogo e um Guy Gardner armado com um anel energético amarelo compõem a equipe e nem de longe têm o carisma ou impacto que a formação "clássica" teria participando de um evento importante como a morte do Super-Homem.

O grupo serve apenas de "bucha de canhão", mas é inegável que a forma impressionante como Apocalypse nocauteia todos tão rápida e violentamente é chocante.

Em segundo lugar, chega-se à essência da história. A trama foi arquitetada de forma extremamente simples: um monstro desconhecido aparece, causa muita destruição e termina por enfrentar e matar o Super-Homem. A verdadeira carta na manga era o que estava por vir depois, com seu funeral e, por fim, o retorno (ponto alto da saga).

Fica a impressão de que este "primeiro capítulo" foi estendido demais sem necessidade, apenas para permitir que cada uma das quatro equipes criativas, mais o time do título da Liga da Justiça (do qual Dan Jurgens também era roteirista) pudessem criar seu próprio episódio.

A luta entre Super-Homem e Apocalypse, apesar de mostrada sempre com sensacionais seqüências, socos, explosões etc., torna-se enfadonha e tem seu efeito um pouco minimizado quando chega-se ao clímax. Ainda assim, a caçada é sensacional e repleta de cenas que dificilmente cansam a leitura, principalmente dos leitores ocasionais.

A DC tinha planos para Apocalypse no futuro, mas quando a história foi criada, ele foi desenvolvido como - nas palavras de Dan Jurgens - "uma força da natureza", um ser de pura brutalidade e desejo de destruição, só isso e nada mais.

Apesar do visual bastante assustador e de toda a fúria irracional que mostra (capaz de fazer inveja ao Hulk nos seus piores dias), o monstro tem a profundidade de uma porta. Não teria sido mais interessante que o intento fosse conseguido por obra de um de seus inimigos, como Luthor ou Brainiac? Ou ainda que eles estivessem por trás da criação de Apocalypse?

Aliás, esta não é a primeira "morte" do Super-Homem. Jerry Siegel, o co-criador do personagem em pessoa, escreveu um conto imaginário em 1948 no qual Luthor mata o herói e, por ser uma história que não entraria na cronologia, a sua morte lá é definitiva.

Hoje, Apocalypse ganhou mais complexidade como personagem, apesar de seu uso em aparições completamente desnecessárias e com o intuito de ganhar uns tostões a mais ter diminuído em muito toda a aura de impacto do único ser que conseguiu realmente matar o Super-Homem.

O mais discutível dos pontos é o fato do Super-Homem também "matar" Apocalypse. Isso fere o que, para a maioria dos fãs do herói, é seu mais precioso valor: o de jamais tirar uma vida, não importa a que preço.

É fato que esta versão do personagem já havia executado os três vilões da Zona Fantasma no último arco escrito por John Byrne, mas as repercussões foram seriíssimas para o Homem de Aço. Ele desenvolveu dupla personalidade para lidar com o remorso e se exilou no espaço quando descobriu a ameaça que podia representar. E jurou novamente jamais tirar outra vida simplesmente porque "o Super-Homem não deve matar".

Na parte final da revista, Kal-El abandona as tentativas de refrear o monstro e parece obstinado em incapacitá-lo de forma definitiva, culminando nos dois se esmurrando até a morte.

Um grande furo do roteiro é na parte em que Apocalypse continua seu rastro de destruição quando vê numa TV de supermercado um anúncio de luta-livre que conclamava um "grande confronto" em Metrópolis. A partir daí, ele se dirige para a cidade e até esboça princípios de fala inarticulada.

Ora, para um ser alienígena e irracional, que só tinha ódio e fúria em sua mente, ele se saiu muito bem entendendo uma propaganda de TV em inglês e lendo uma placa de estrada (estava escrito Metrópolis). E ainda faz uma associação entre tudo isso (como observado pelo próprio Kal-El), resolvendo se dirigir para a cidade. A mancada foi tão abismal que em A Revanche, Dan Jurgens tentou por panos quentes na coisa e criou uma explicação bem mais verossímil para a seqüência.

A construção dos personagens sempre foi o ponto alto desse período nos títulos do Super-Homem, e Jurgens, Ordway, Stern e Simonson mantêm o padrão de qualidade. É interessante nota como o herói seguro e confiante desta edição, que afirma ao moribundo Guy "Não se preocupe, Guy, vou cuidar de tudo" (frase que resume a essência do seu comportamento obsessivo em ajudar o próximo e solucionar problemas), deu lugar ao personagem inseguro e cheio de dúvidas dos últimos anos.

Ainda sobra espaço para se explorar um pouco de Lois, Jimmy, Cat Grant, Bibbo, o professor Hamilton, a UCE e o projeto Cadmus. A profusão de personagens coadjuvantes das aventuras do Homem de Aço na época não chega a comprometer a história e até atenua o excesso desnecessário de páginas já citado, com suas aparições e a forma como procuram, cada um à sua maneira, ajudar o personagem.

Do ponto de vista artístico, A Morte do Super-Homem foi produzida numa época de excelência criativa. Dan Jurgens é tido até hoje como um dos melhores ilustradores do personagem em sua fase pós-Crise nas Infinitas Terras. Jon Bogdanove ostentava na época o título de "sucessor espiritual de Joe Shuster" por sua representação do Homem de Aço, que em muito se assemelhava à de seu co-criador. Tom Grummet também mantinha o bom nível dos títulos que cuidava. Jackson Guice era o único irregular. Ele possui uma tendência ao hiper-realismo bastante interessante e sabe trabalhar fisionomias, mas quando o assunto são cenas de ação, falha seguidamente em imprimir ritmo. E como são justamente estas que compõem 90% da história...

Jurgens ainda introduziu um elemento surpresa na edição 75 de Superman, apresentando toda a revista com páginas de splash, ou seja, um painel gigante por página, somando 22 que mostram a morte do super-herói da Terra.

É justamente este último capítulo o melhor de toda a revista. Repleto de tensão e senso de urgência, mostrando o Super-Homem desesperadamente tentando deter Apocalypse nas ruas de Metrópolis e sendo acompanhado por Lois e Jimmy. A decisão de focar a trama nos três personagens que são o alicerce das aventuras do kryptoniano há décadas é digna de aplausos e mostra como a história, realmente, poderia ter sido mais enxuta.

A unidade entre as equipes que cuidavam dos quatro títulos norte-americanos do personagem era orquestrada por Mike Carlin; e é a ele, sem dúvida, que se deve o crédito de coordenar tão bem a sinfonia de eventos e arcos que foi a grande saga da Morte e Retorno do Super-Homem. Se é verdade que alguns eventos poderiam ter sido mais condensados, é preciso lembrar do aspecto financeiro e da necessidade de vender mais revistas.

Era evidente que o Super-Homem voltaria, mas ninguém imaginava que sua morte era apenas o começo de uma longa saga editada no decorrer de um ano, com reviravoltas sensacionais e conseqüências que persistem até hoje tanto na história do Homem de Aço, quanto na de outros heróis, como o Lanterna Verde Hal Jordan. Além disso, apresentou uma série de novos personagens que se tornariam de relevância única para Kal-El e o Universo DC nos anos vindouros.

A Abril fez um trabalho ímpar na época. Enquanto passava o título mensal do Super-Homem para três histórias estreladas por ele para apressar a continuidade, antecipou o lançamento da Morte em um ano (com direito a uma providencial nota explicativa no começo da revista sobre fatos e personagens ainda inéditos na época).

Junto com a requintada edição especial, a começar pela capa que mostrava o "S" sangrando - símbolo da saga - em alto relevo e efeito metalizado e o miolo em papel LWC, vieram brindes. Era um pacote sensacional que, além da edição, trazia um fac-símile de Superman # 75 em formato americano mostrando os momentos finais e decisivos da luta entre Super-Homem e Apocalypse, uma revista Newstime sobre a morte do herói, com depoimento de celebridades e matérias, e além um belo pôster ilustrado por Dan Jurgens retratando o cortejo fúnebre do herói, acompanhado por todos os grandes personagens da DC.

Isso numa época em que a editora reduzira o número de páginas dos outros três títulos DC que publicava - DC 2000, Novos Titãs e Liga da Justiça - por conta da crise em que o país atravessava.

A editora apostou alto e o sucesso foi grande, a ponto de ela fazer um trabalho ainda superior no primeiro número de O Retorno do Super-Homem.

A edição serve também de curiosidade história por conter o preço tabelado, um recurso que a Abril usou durante meses antes de o Plano Real ser implementado e consistia em atribuir um código a cada publicação correspondente a um valor que variava mensalmente.

Nas páginas deste especial, o personagem ainda é chamado de "Super-Homem", pois só em 2000, quando a editora mudou sua linha editorial de super-heróis do formatinho para a luxuosa Linha Premium, ele passou a usar o nome em inglês.

A Morte do Super-Homem seria ainda relançada duas vezes pela Abril. A primeira foi em outubro de 1994, quando a editora pôs nas bancas o primeiro número do Retorno, mas esta edição não vinha com o efeito metalizado no "S" da capa nem os brindes. A segunda foi pouco antes do cancelamento de seu trabalho com os heróis DC, em 2002, desta vez em formato maior e como uma minissérie em três partes, sendo a última com a famosa capa de Superman # 75.

A despeito de seus problemas, A Morte do Super-Homem é uma leitura obrigatória para qualquer fã do herói, assim como outras clássicas como O Homem que tinha tudo, Precisa haver um Super-Homem? etc.

Não foi a morte como muitos fãs gostariam de ler, com certeza, mas ninguém jamais se esqueceu dela nos últimos 12 anos e toda a sua repercussão e importância fazem da revista uma das mais importantes lançadas nos anos 90. Se não pela qualidade do texto, pelo impacto cultural e econômico que teve em toda uma geração de leitores, criadores e na mídia dos quadrinhos em si.

Nenhum comentário:

Postar um comentário