sábado, 28 de agosto de 2010

A “constituição” da mídia


Diz, desde 1988, o artigo 221 da Constituição brasileira:

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos por lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Hoje, porém, a Associação das Emissoras de Rádio e Televisão, ao lado da de Revistas e de Jornais - que entram para fazer coro, pois não se tratam de concessões públicas e, portanto, não estão sob influência estatal - soltaram uma nota alertando sobre o que chamaram de “ ameaças à liberdade de expressão contidas no Decreto” que cria o Plano Nacional dos Direitos Humanos.

Que ameaças são estas?

Como sempre gosto de mostrar os fatos antes de dar opinião, vou transcrever o que diz o decreto, nas diretrizes que falam de comunicação social.

“Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, (note bem, serviços concedidos pelo Estado, não a “imprensa” em geral) prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas.”

“Promover diálogo com o Ministério Público para proposição de ações objetivando a suspensão de programação e publicidade atentatórias aos Direitos Humanos”.

“Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações.”

E agora, a parte que doeu:

“Suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos Direitos Humanos.”

Não há uma palavra nas diretrizes do plano que contrarie o que está estabelecido na Constituição. Ao contrário, apenas torna efetico o princípio estabelecido na Carta, que é hoje, na prática, letra morta.

Leia, um por um, os quatro itens do Art. 221, e veja se, honestamente, algum deles é respeitado.
A falsa entrevista com integrantes do PCC no Programa do Gugu: liberdade de expressão?

Falsa entrevista demembros do PCC ao Programa do Gugu: liberdade de expressão?

A emissoras de rádio e de televisão veiculam o que lhes interessa, da maneira que lhes interessa, com o único objetivo de faturar. Nada impede estes empresários de fazê-lo, em qualquer atividade que não dependa de concessão pública. Com rádio e TV, não.

Porque, ao receber o direito de ganhar dinheiro com a exploração de publicidade num espaço público como é o espectro de radiodifusão, aquelas condições estavam estabelecidas. É, para usar a linguagem que eles gostam, um contrato, que às duas partes obriga.

Mas não é o que eles acham. Concessão de canal de rádio e televisão é como eram os cartórios: eternas, hereditárias, “imexíveis”.

As regras escritas da Constituição não valem. Não vale regra nenhuma. Veja o que disse o sociólogo Lalo Leal Filho, anos atrás, naquele episódio da falsa entrevista com supostos integrantes do “Primeiro Comando da Capital”, organização criminosa de São Paulo, veiculado no programa de Gugu Liberato:

Como avalia o caso do escândalo do programa Domingo Legal?

L.L.L.F. – Este caso é conseqüência de um processo que vem se arrastando há muito tempo. Decorre da falta de uma legislação atualizada a respeito do funcionamento das concessões públicas de TV. A televisão no Brasil opera num vácuo legal, sem nenhum tipo de controle. Se os programas que vêm exibindo constantemente as chamadas “pegadinhas” já tivessem sido punidos, talvez esse episódio específico não tivesse acontecido.

Por que o programa Domingo Legal chegou ao ponto de apelar para uma fraude jornalística e para a apologia ao crime?

L.L.L.F. – Por causa da lógica de mercado imposta às emissoras de TV. No Brasil, concessões públicas operam sobre a lógica da concorrência comercial. Deste modo, as emissoras não refletem sobre o que apresentam ao público. Acabam por priorizar a audiência. Em busca dela, apela-se para qualquer recurso, independente dos valores éticos ou morais.

O que permite que esse tipo de abuso ocorra na programação televisiva?

L.L.L.F. – Falta de responsabilização legal e social das emissoras. Os concessionários operam sem nenhum tipo de responsabilização pelo que fazem. É apenas isto.

É isso, nenhum tipo de responsabilização pelo que fazem, nem pelo que assumiram o compromisso de fazerem, quando receberam as concessões.

Fazer com que cumpram os contratos que assinaram, para eles, é “chavismo”.

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